blog sobre micologia médica

Patologia Clínica CHUC Coimbra Portugal

Fusarium dimerum keratitis

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Artigo publicado: Rinosinusite induzida por Schizophyllum radiatum

Artigo publicado: Chronic invasive rhinosinusitis by Conidiobolus coronatus, an emerging microorganism

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MUCORMICOSE

SINOPSE DAS ORIENTAÇÕES CLINICAS (SEGUNDO: ESCMID, ECMM) PARA DIAGNÓSTICO E ABORDAGEM DAS MUCORMICOSES 

Mucormicoses (antes zigomicoses) são infecções fúngicas invasivas muito graves que necessitam terapêutica urgente. O caracter angio-invasivo confere-lhe uma elevada morbilidade e mortalidade. A taxa de mortalidade permanece entre 32 e 70%.

As mucormicoses são provocadas por um conjunto de diferentes géneros de fungos, Ordem dos mucorales, que se caracterizam por apresentarem, à microscopia, hifas não septadas ou pouco septadas. Este grupo compreende os géneros Rhizopus, Mucor, Lichtheimia (Absidia), Cunninghamella (associada a mortalidade elevada), Rhizomucor, Aphophysomyces, Saksenaea e outros. Actualmente são reconhecidos, como agentes patogénicos em humanos, 11 géneros e cerca de 27 espécies.

A epidemiologia destas infecções tem vindo, nos anos mais recentes, a alterar-se. O aumento da incidência associa-se ao aparecimento de fungos emergentes e a um aumento de população com susceptibilidadde aumentada. A frequência do isolamento das diferentes espécies de fungos é característica de cada região do globo.

Factores predisponentes à ocorrência de mucormicoses são: granulocitopenia, imunossupressão, diabetes, tuberculose, insuficiencia renal crónica e inoculação traumática (este último em imunocompetentes). Um grande número de mucormicoses ocorre sem evidência de patologia predisponente ou sem presença de factores de risco.
A sobrecarga por ferro e a subsequente terapia com deferoxamina desempenham um papel importante (predispõem) na patogénese da mucormicose, contudo novos queladores como a deferasirox e a deferiprone parecem não predispor ao aparecimento de mucormicose.
A terapêutica profilática com voriconazol foi incriminada como predispondo, numa percentagem muito superior à verificada com outros anti-fungicos, ao aparecimento de mucormicose contudo estudos recentes não corroboram esta conclusão. A profilaxia com antifungicos , qualquer que ele seja, está associada ao aparecimento de mucormicoses e como tal deve ser encarada como factor de risco.

Sob o ponto de vista patogénico as mucormicoses dividem-se em: rino-órbito-cerebral (ROCM), pulmonar, cutânea, gastro-intestinal, renal, disseminada e outras.
- A forma rino-órbito-cerebral é a mais frequente em doentes diabéticos (>80% das ROCM ocorrem em doentes diabéticos). A órbita é envolvida por extensão directa a partir dos seios para-nasais. A extensão ao cérebro ocorre a partir dos seios ou a partir da órbita e apresenta elevada mortalidade. São necessários estudos por tomografia computorizada e estudos por ressonância magnética para avaliar a extensão das lesões. A necrose dos tecidos invadidos é revelada pelo aparecimento de uma escara preta e representa um sinal de mau prognóstico (esta escara não é um sinal precoce, praticamente nunca está presente na primeiro exame objectivo). A abordagem terapêutica obriga ao uso imediato de anti-fungicos, à correcção de patologia sub-jacente e a desbridagem cirurgica. A mortalidade geral é de 22 a 41,5 %,  (56% se houver invasão cerebral e 0% se só houver sinusite).
- A forma pulmonar é a segunda mais frequente, ocorre sobretudo em doentes do foro hemato-oncológico e em receptores de transplantes. A diabetes mellitus e a doença renal são também factores de risco a ter em conta. O diagnóstico é difícil já que a clínica e os achados imagiológicos são inespecíficos. É sobretudo unilateral raramente afectando o hilo ou o mediastino.
- A forma cutânea ocorre após trauma em imunocompetentes. A infecção pode permanecer localizada ou disseminar aos tecidos subjacentes.
-A forma gastrointestinal é mais comum em recem-nascidos com baixo peso, ocorre também em casos de malnutrição ou de diálise peritonial.
-A forma disseminada ocorre em cerca de 13% das mucormicoses.

Na ROCM o germen mais frequente é o Rhizopus sp.. Na forma pulmonar e na disseminada predomina a Cunninghamella sp. Na forma cutânea predomina Apophysomyces e Saksenaea sp. A cetoacidose predispõe ao aparecimento de Rhizopus sp. e a corticoterapia predispôe ao aparecimento da Lichtheimia sp..
A Cunninghamella é que apresenta mortalidade mais elevada.


Diagnostico laboratorial

Exame directo da amostra para pesquisa de hifas características usando marcadores fluorescentes específicos de fungos (calcofluor) permite um diagnóstico presuntivo já que se baseia na ausência ou escassez de septos da hifa, na forma da hifa (fita irregular de paredes lisas) e no ângulo (90 o) formado pela bifurcação das hifas.

Amostra obtida por punção guiada por TAC ou intra–cirúrgica apresentam 5 % de falsos negativos

A cultura das amostras, em meios apropriados e temperaturas próprias, é essencial já que permite identificação do género e espécie bem como a execução de testes de sensibilidade. É, sempre, uma metodologia com baixa sensibilidade.

Os fungos crescem bem, quando crescem, e em poucos dias, tanto em meios selectivos como nos não selectivos. A temperatura de incubação deve ser 37 oC. O manuseamento demasiado agressivo (maceração) da peça de biópsia pode corromper a estrutura do fungo tornando-o inviável para cultura.

O exame histológico permite a visualização  de hifas e porventura diferenciá-las das hifas dos Aspergillus. Histologicamente poderão ocorre enfartes, angioinvasão  e invasão peri-neural.

Cerca de 65% das histologias são positivas. Nos neutropénicos a angioinvasão é maior.

Detecção de antigénios: não existe nenhum ensaio analítico específico.
O beta-glucan é negativo nos mucorales.
O galactomanan muitas vezes é negativo (sobretudo com tratamento prévio por caspofungina).
É possível, por teste de imunoensaio, detectar células T especificas de mucorales mas apenas durante o curso da doença, desaparecem logo após resolução da infecção.


Detecção directa por testes moleculares (vulgo PCR):
Actualmente não existe nenhum método validado . Os resultados obtidos tanto para material de biopsia (melhores resultados aqui) como para cortes histológicos de biopsia incluído em parafina são promissores

A identificação de género/espécie
Não há evidência que a correcta identificação de género e espécie conduza a uma terapêutica mais adequada. A identificação é importante para epidemiologia e é sempre preferível ser feita com base molecular, a identificação fenotípica é muito difícil.
O uso do kit ID32 C poderá dar um contributo valioso e a técnica MALDI-TOFF poderá ser uma ferramenta poderosa num futuro próximo.

Testes de susceptibilidade
Actualmente não existem, para nenhum antifungico, concentrações mínimas inibitórias aprovadas para os mucorales pelo que é impossível classificá-los como S, R ou I.
A metodologia de referência actual são os testes de microdiluição descritos pelo EUCAST e pelo CLSI.
Os métodos E-test e XTT estão ainda por validar.
Sem actividade in vitro contra mucorales: Fluconazol, Voriconazol, equinocandinas e flucitosina.
Amfotericina B e posoconazol são as drogas mais activas. O itraconazol também revela CMI baixas.

Imagiologia
O sinal do halo (opacidade em vidro fosco rodeando área densa de infiltrado nodular) e o sinal do crescente aéreo em Rx torácico não são indicativos da identidade do fungo.
Estes sinais bem como o sinal do halo invertido (atol) têm um valor diagnóstico directamente proporcional à probabilidade pré-teste de ser uma mucormicose.
Biopsia orientada por tomografia deve ser realizada sempre que suspeita de mucormicose pulmonar, as plaquetas devem ser > 50 000uL com ou sem transfusão de plaquetas. Em hemato-oncologia  a mucormicose é disseminada em 20% dos casos, sendo frequente o envolvimento craniano, torácico e abdominal.

objectivo



diagnóstico
Ex directo amostra (calcofluor)
A
II
diagnóstico
Cultura microbiológica
A
III
diagnóstico
Histopatologia
A
II
diagnóstico
Galactomannan
B
III
diagnóstico
b-glucan
D
III
diagnóstico
Testes. moleculares  PCR
C
II
diagnóstico
PCR em peça histológica
C
II






objectivo
Id do germen


Orientação terapêutica
Identificação até ao género
C
II
epidemiologia
Identificação até à espécie
A
II
epidemiologia
Identificação molecular - PCR
A
II
epidemiologia
MALDI-TOFF
C
II








objectivo
Susceptibilidade Antifungicos


Orientação terapêutica
Microdiluições CLS/EUCAST
C
II
Orientação terapêutica
Correlação CIM
com resultado in vivo
C
II
epidemiologia
T Susceptibilidade Antifungicos
A
II






objectivo
imagiologia


Hematoncologia
d.diferencial aspergilose pulmonar invasiva/mucormicose
TAC - Sinal halo reverso
B
II
TAC - Derrame pleural
C
II
TAC - >10 nódulos
C
II
Hematoncologia
Avaliar extensão
TAC craniana, seios, torácica e abdominal
B
III
Diabetes com sinusite
TAC craniana
A
II
Lesão óssea
Ressonância magnética
A
II






CONSIDERAÇÕES SOBRE TERAPÊUTICA

Profilaxia
Em períodos de alto risco (neutropenia prolongada em leucemia mieloide aguda e em doença enxerto vs hospedeiro com imunossupressão), a profilaxia com posaconazol reduz a incidência de mucormicoses. (C III)

Em imunodeficientes com mucormicose prévia, a profilaxia associada à recessão cirúrgica é eficaz no aparecimento de recorrências. (A III)

Terapêutica (por quadro febril)
Não sustentada cientificamente.

Terapêutica após evidência microbiológica

A recessão cirúrgica da massa pulmonar comprometida (mucor) conduz a uma diminuição de 11 a 62% na mortalidade. (A II)

A recessão cirúrgica da massa pulmonar comprometida (mucor) associada a terapêutica antifungica conduz a uma diminuição de 11 a 62% na mortalidade e a uma possível cura definitiva. (A II)

Nos imunodeficientes a precocidade do tratamento aumenta a taxa de sobrevida (A II)

A amfotericina B lipossomica aumenta a taxa de cura e a sobrevida (A II)

Na infecção do SNC recomenda-se Amfotericina B lipossomica (A II)

A amfotericina B complexo lipídico e o posaconazol aumenta a taxa de cura (B II)

A associação amfotericina lipossomica e caspofungina aumenta a taxa de cura (C III)

Amfotericina desoxicolato aumenta a taxa de cura (D I)

Terapêutica de último recurso

Se a infecção for refractária à terapêutica e/ou houver intolerância aos anti-fúngicos de primeira linha

            Posaconazol                                        (A II)
            Amfotericina lipossómica                     (A II)
            Amfotericina complexo-lipidico            (A II)
            Polieno mais caspofungina                   (C III)
            Caspofungina mais posocanazol           (B II)

Infecção em crianças

As mucormicoses em crianças imunodeprimidas e em prematuros são infecções muito graves. Nos prematuros a infecção manifesta-se por alterações gastro-intestinais ou cutâneas. Nas crianças e adolescentes a apresentação mais frequente é pulmonar ou rino-orbito-cerebral. A taxa de mortalidade é de 64% nos prematurose de 42 a 56% nas crianças.

Em geral, as recomendações são as mesmas das dos adultos, há contudo variáveis farmacocinéticas e farmacodinâmicas referentes  às características fisiológicos dos jovens.

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