Obtêm os nutrientes necessários a partir da queratina existente nos extratos superficiais, mortos, da epiderme. Por isso não necessitam invadir, embora possa ocorrer, o tecido vivo mais profundo. A reacção inflamatória que estes fungos provocam no paciente, a tinha, resulta da reação dos tecidos às enzimas libertadas pelo fungo durante o processo de metabolização da queratina.
Os dermatófitos são saprófitas na natureza mas possuem a capacidade de se adaptar ao parasitismo humano e animal. Estes organismos conseguiram, no decurso da sua evolução, obter a capacidade de enzimática para decompor a queratina e usar os subprodutos como nutrientes. As infeções que provocam não põem a vida em risco mas causam desconforto físico e diminuem a autoestima.
As infeções por dermatófitos têm uma elevada prevalência, cerca de 1 bilião de pessoas têm micoses de pele, isto faz com que estas infeções sejam apenas
ligeiramente menos comuns do que dores de cabeça ou cáries dentárias. Outro
autor refere a existência de doenças graves em mais de 300 milhões de pessoas
em todas as idades.
As infeções com sintomas ligeiros
ou moderados e curso crónico são, na sua maioria causados por dermatófitos
antropófilicos, que são tipicamente localizados em áreas do corpo que têm
níveis de humidade mais elevados ou que são menos acessíveis para a resposta
imunitária do hospedeiro, por exemplo, dobras cutâneas, pés e unhas. Por outro
lado, dermatófitos zoofílicos, quando transmitidas a um ser humano, geralmente
causam infeções altamente inflamatórias localizadas em locais diretamente
expostos ao contacto com um animal infetado, tipicamente as extremidades, o
rosto, e tronco. Estas diferenças são geralmente atribuídas à adaptação dos
agentes patogénicos aos seus hospedeiros primários que levam a uma resposta
imunitária equilibrada, ou seja, uma resposta imunitária suave é geralmente
associadas a infeções causadas por espécies antropófilas que se desenvolveram com
os humanos, e o oposto é verdadeiro para as espécies zoófilas.
Antropofílicos
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Zoofílicos
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Geofílicos
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M. audoinii
M. ferrugineum
T. tonsurans
T. violaceeum
T. soudanense
T. megninii
T. schoenloinii
T. rubrum
E. floccosum
T. interdigitale |
M. canis
T. mentagrophytes
(cavalos, animais domésticos)
T. erinacei
ouriços e cães de caça T. verrucosum M. equinum
M.nanum
M. persicolor
(ratazanas) |
M. gypseum
M. fulvum
M. praecox
(também associado a cavalos) T. terrestre |
Limpar a unha com álcool a 70%. Se necessário, lavar com água e sabão antes de utilizar o álcool.Cortar ao longo da borda livre tanto quanto possível (descartar a primeira fila se possível) ou raspar/limar debaixo da unha e recolher as escamasArmazenar a seco num recipiente, entre duas lâminas envoltas em papel ou em envelope limpo à temperatura ambiente; tratar o mais rapidamente possível.
Tirar 10-12 com pinça para preservar o folículo pilosoColocar num recipiente esterilizado ou num envelope limpoSe aplicável, seleccionar o cabelo que fluoresce sob a lâmpada de Wood
Limpar a área afectada com água e sabão e/ou com álcool a 70%. Deixar secar.Raspar a superfície da pele com um bisturi ou lâmina de microscópio e recolher 10-15 escamas em torno da lesão (zona periférica onde ocorre o processo inflamatório). Um pente ou cotonete pode ser usado para lesões do couro cabeludo
Remover/limpar o exsudado superficial (álcool a 70%). Aspirar pus (kerion) e colocar num tubo. Transferência para o meio de transporte padrão.
As biópsias são colocadas num tubo, com ou sem uma pequena quantidade de solução salina estéril (1 mL) (sem conservante).
QUANDO É QUE SE DEVE FAZER CULTURA PARA PESQUISA E IDENTIFICAÇÃO
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- QUANDO
SE JUSTIFICA TRATAMENTO ORAL – (couro cabeludo e unhas)
- SE A
INFEÇÃO DA PELE É EXTENSA OU SEVERA – (pé de atleta tipo mocassin)
- INFEÇÃO
DA PELE REFRATÁRIA AO TRATAMENTO
- QUANDO O
DIAGNÓSTICO DE INFEÇÃO FÚNGICA É INCERTO
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QUANDO É QUE SE PODE PRESCINDIR DA CULTURA
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- TINEA
PEDIS NÃO COMPLICADA
- TINEA
CRURIS NÃO SEVERA
- TINEA
CORPORIS NÃO COMPLICADA
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Recentemente, foram desenvolvidos e comercializados procedimentos de biologia molecular que permitem extrair, amplificar e classificar o ácido nucleico do dermatófito directamente da amostra. Hoje, a biologia molecular é uma ferramenta útil não apenas para diagnóstico, mas também para monitoramento de terapia. Pela primeira vez, o sucesso de uma terapia e, portanto, seu término podem ser indicados microbiologicamente de forma objetiva
Micose superficial
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Micro-organismo
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Ptiriase versicolor
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Malassezia furfur
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Frequente
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Phaeoannellomyces werneckii
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Rara
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Piedra branca
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Trichosporon beigelii
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Comum
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Piedra negra
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Piedraia hortae
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Rara
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- Pode dividir-se em 4 grupos de acordo com as formas de apresentação clínica: lesões com maceração e fissuração da pele dos espaços interdigitais e sola, lesões escamosas com pápulas da sola, do calcanhar e bordo dos pés, lesões vesiculares e lesões ulcerosas. É mais frequente em adultos e em frequentadores de piscinas públicas.
- A tinea pedis pode ser ela própria a responsável por tinea manum e tinea cruris concomitante através da auto-inoculação.
Globalização e mudanças
climáticas
O espectro das infecções por
dermatófitos na Europa está actualmente a mudar, por vezes seriamente. Novos
dermatófitos zoofílicos – como T. benhamiae ou T. quinckeanum – estão se
tornando cada vez mais comuns e devem ser diagnosticados clínica e
micologicamente para poder fornecer tratamento direcionado. Além disso, fungos
antropofílicos como o T. tonsurans estão em ascensão. Se houver alguma
evidência clínica - suspeita de dermatomicose em lutadores e em jovens e homens
após visita à barbearia - o patógeno deve ser detectado e identificado por
cultura em meio laboratorial. A resistência parcial à terbinafina e ao
itraconazol de T. indotineae representa um desafio diagnóstico e terapêutico.
Mudanças climáticas temporárias e
a globalização de pessoas e bens, geram processos de interconectividade que são a
causa da migração de pessoas e patógenos. O aparecimento de “novos”
dermatófitos tem sido evidente na Europa ocidental já há algum tempo. fungos
cutâneos que antes só ocorriam em outras partes do mundo estão sendo isolados
aqui com cada vez mais frequência. Alguns exemplos são descritos:
Trichophyton quinckeanum –
patógeno de “mouse favus”
Trichophyton (T.) quinckeanum é originário do médio oriente. O fungo zoofílico da pele causa tinea corporis com escamação semelhante a um escudo ou a um disco. Se o couro cabeludo for afetado, ocorre tinea capitis purulenta, com abscesso e dor localizada (Kerion Celsi). T. quinckeanum é encontrado em roedores, especialmente ratos. Estes são “portadores” assintomáticos.. Quando existem condições climatéricas favoráveis a um excesso de alimento a população de ratos pode aumentar sendo as pessoas infectadas através de gatos. Isso resulta no aumento das dermatofitoses causadas pelo T. quinckeanum.
Trichophyton benhamiae de porquinhos-da-índia - dermatófito zoofílico muito comum na Europa
O dermatófito zoofílico T.
benhamiae vem do Sudeste Asiático. T. benhamiae tem sido observado cada vez com
mais frequência na Europa ocidental. Crianças e adolescentes, mas também
adultos, são acometidos pelas dermatofitoses inflamatórias e pruriginosas
causadas por T. benhamiae. Tinea faciei causada por T. benhamiae é típica, mas
também tinea corporis et capitis (até Kerion Celsi). O reservatório do patógeno
de T. benhamiae são pequenos roedores, mas principalmente porquinhos-da-índia.
Mais de 90% das cobaias assintomáticas em lojas de animais foram identificadas
como “portadoras”.
O fenómeno migracional está
reintroduzindo o T. tonsurans, este é um dermatófito antropofílico que infecta
principalmente crianças e adolescentes. É altamente contagioso sendo a causa de
tinea corporis e tinea capitis. Tinea barbae (“micose da barba”) e tinea faciei
causadas por T. tonsurans são novas apresentações clínicas. O “fungo do tapete”
é responsável pela tinea gladiatorum em lutadores. A transmissão ocorre
diretamente por contato físico ou indiretamente por meio de esteiras
contaminadas por fungos. Os surtos em clubes de luta livre estão aumentando e
são difíceis de controlar. Há atualmente relatos de dermatofitoses causadas por
T. tonsurans no couro cabeludo e na região da barba de meninos e homens após idas
à barbearia. O patógeno pode ser transmitido durante “cortes laterais” por meio
de lâminas de barbear e microlesões na pele das pessoas afetadas ou por
portadores assintomáticos.
Trichophyton indotineae – da
Índia para o mundo ocidental
T. indotineae é um novo
dermatófito que está se espalhando pelo mundo a partir do subcontinente indiano
[8]. T. indotineae é transmitido de pessoa para pessoa ou indiretamente através
da roupa de cama e do corpo. Com a globalização, o T. indotineae atingiu mais
de 35 países em quase todos os continentes como um patógeno emergente [9]. Na Europa,
as dermatomicoses causadas por T. indotineae afetaram até agora
predominantemente pessoas com antecedentes migratórios. T. indotineae causa
dermatofitoses graves, inflamatórias e refratárias à terapia. A infecção começa
como tinea cruris na virilha e na região glútea e pode afetar o tegumento em
uma grande área como tinea corporis. Com o uso abusivo e prolongado de glicocorticóides
tópicos a micose aparece como tinea incognita modificada por esteróide. No
entanto, as dermatomicoses causadas por T. indotineae são particularmente
problemáticas devido à pronunciada resistência à terbinafina. O medicamento de
escolha para o tratamento oral da micose causada por T. indotineae é o
itraconazol. Recomenda-se a combinação de terapia oral com antifúngicos
tópicos: ciclopirox e azóis (clotrimazol, miconazol ou sertaconazol).
Recentemente através de estudos moleculares com base na sequenciação da região ITS foi possível identificar mais de 10 genotipos diferentes entre os fungos incluídos no complexo Trichophyton mentagrophytes/interdigitale.
T. mentagrophytes, o grupo mais polimórfico entre os dermatófitos, é considerado zoófilo e é responsável por dermatofitoses altamente inflamatórias quando infecta hospedeiros humanos. Está presente em todo o mundo e tem-se espalhado independentemente da raça e da geografia. T. interdigitale foi identificado por sequenciamento da região ITS (Internal Transcribed Spacer) como um derivado antropofílico clonal de T. mentagrophytes que causa lesões não-inflamatórias.
O T. indotineae, é um destes genótipos (genótipo VIII), causa dermatofitose inflamatória e pruriginosa, frequentemente disseminada com lesões de grandes dimensões, que afeta as virilhas, a região glútea, o tronco e a face. Só pode ser identificado por sequenciação pelo que é frequentemente relatado como T. mentagrophytes ou T. interdigitale.
Para além do quadro clínico a sua importância advém pelo facto de ser resistente aos antifungicos tópicos e à terbinafina oral e pelo fato de ser uma micose emergente na Europa em pacientes vindo do Sul da Ásia. O itraconazol, durante 4 a 12 semanas, resolve a infeção.
O T. indotineae implantou-se especialmente na Índia, e em países vizinhos como os Emiratos Árabes Unidos, Omã, Irão, entre outros, e agora lidera, nessa área, a tabela da incidência epidemiológica substituindo o T rubrum. Recentemente tornou-se numa infeção emergente nos países europeus devido à migração e ao turismo.
Não é apenas uma infeção incómoda, é também um problema de saúde pública devido ao número de indivíduos afectados e ao sofrimento que causa.
O Trichophyton indotineae apresenta colónias centrais de coloração bege, planas, de crescimento rápido e na periferia colónias brancas, semelhantes às do Trichophyton mentagrophytes/Trichophyton interdigitale. As caraterísticas microscópicas, como microconídios redondos, macroconídios em forma de charuto, clamidósporos e hifas em espiral, também são as mesmas nestas espécies.
Os fármacos disponíveis para o tratamento das dermatofitoses são:
Amostra / clinica
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Fungos mais comuns
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PELE
t. barbae
t. capitis
t.
corporis
t. cruris
t. imbricate
t. manum
t. pedis
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T. mentagrophytes, T. erinacei, T. verrucosum, T. rubrum
M. audouinii, M. canis, T mentagrophytes, T. rubrum, T.
tonsurans, T. soudanense, T. violaceum
Todos
T. rubrum, E. floccosum
T. concentricum
T. mentagrophytes, T. erinacei, T. rubrum, M. canis, M.
persicolor
T. rubrum, T. mentagrophytes variedade interdigitale, E. floccosum
|
UNHA
t. unguium/onicomicose
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T. rubrum, T. mentagrophytes (var interdigitale), T.
mentagrophytes, E. flocosum
(Se houver um trauma prévio da
unha ou imunossupressão do hospedeiro o isolamento dos fungos que se seguem
adquire especial relevância)
Acremonium sp, Alternaria sp, Aspergillus sp, Fusarium sp,
Scitalidium dimidiatum/hialinum, Scopulariopsis brevicaulis, Onichocola
canadensis, Candida albicans, C. guilliermondii, C. parapsilosis, C.
tropicalis
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CABELO
t. favosa
t. capitis
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Trichophyton schoenleinii
M. canis, M. audoinii, T. tonsurans, T. verrucosum, T.
violaceum, T. soudanense, T. mentagrophytes (kerion de celsi na criança)
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Mycopathologia (2017) 182:193-202
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