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Patologia Clínica CHUC Coimbra Portugal

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PNEUMONIA POR PNEUMOCYSTIS JIROVECII

 

 

Estratégias de Diagnóstico Laboratorial para a Pneumonia por Pneumocystis jirovecii (PJP)

1.0 Introdução ao Pneumocystis jirovecii e à Pneumonia Associada (PJP)

Pneumocystis jirovecii é um micromiceto, “fungo muito pequeno”, oportunista com uma especificidade estrita pelo hospedeiro humano, sendo a causa da pneumonia por Pneumocystis (PJP), a sua manifestação clínica mais grave e frequente. A importância estratégica de um diagnóstico laboratorial preciso e atempado é fundamental, uma vez que a PJP apresenta uma evolução fatal na ausência de tratamento. Este desafio é amplificado pela natureza inespecífica dos seus sintomas clínicos, que incluem dispneia, febre e tosse seca, tornando a confirmação laboratorial um pilar essencial para a orientação terapêutica.

A biologia do P. jirovecii é caracterizada por um ciclo de vida que compreende três fases morfológicas distintas: o trofozoíto (forma trófica), o esporozoíto (forma pré-cística) e o cisto (ou asco). Durante a infeção ativa, a forma trofozoítica é largamente predominante, existindo numa proporção de 10 para 1 ou superior em relação aos cistos. Acredita-se que os cistos, que contêm múltiplos esporos, representam a forma de transmissão e a mais resistente no ambiente.

A transmissão do organismo ocorre de pessoa para pessoa por via aérea. Um dos desafios centrais no diagnóstico reside no conceito de colonização assintomática, em que indivíduos imunocompetentes ou imunocomprometidos podem albergar baixos níveis do microrganismo sem desenvolver a doença. A prevalência desta colonização na população geral sublinha a necessidade de métodos de diagnóstico que possam distinguir entre um estado de portador e uma infeção ativa.

Para aplicar estas ferramentas de diagnóstico de forma eficaz, é crucial, em primeiro lugar, compreender os grupos de doentes mais vulneráveis ao desenvolvimento da PJP.

2.0 Epidemiologia e Populações de Risco

A compreensão da epidemiologia da PJP é vital para a estratificação do risco clínico e para a implementação de estratégias de diagnóstico e profilaxia adequadas. O perfil dos doentes em risco evoluiu significativamente ao longo das últimas décadas, exigindo uma vigilância contínua em diversas populações de imunossuprimidos.

Historicamente, a PJP esteve intrinsecamente ligada à epidemia de SIDA, sendo frequentemente a doença definidora da mesma em doentes infetados pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) com uma contagem de linfócitos T CD4+ inferior a 200 células/mm³. Apesar dos avanços na terapia antirretroviral, a PJP continua a ser uma infeção oportunista de relevo. Em França, por exemplo, permanece como a infeção oportunista mais frequente em doentes com VIH no estágio de SIDA, superando a candidíase esofágica e a tuberculose.

Contudo, o espetro de doentes em risco expandiu-se muito para além da população com VIH. Atualmente, a PJP é uma preocupação crescente em doentes imunossuprimidos não-VIH, que incluem:

• Doentes com neoplasias hematológicas, como a leucemia linfoblástica aguda.

• Recetores de transplante de órgãos sólidos e de células estaminais hematopoiéticas.

• Doentes sob terapia crónica com imunossupressores, nomeadamente doses elevadas de corticosteroides.

• Indivíduos com desnutrição grave.

É de salientar que o prognóstico da PJP é significativamente pior neste grupo de doentes. A taxa de mortalidade em doentes com PJP associada ao VIH situa-se entre 10% e 20%, enquanto que em doentes não-VIH, esta taxa aumenta drasticamente para 30% a 50%. Dados mais recentes de França corroboram esta tendência, embora com valores distintos, reportando uma mortalidade de 27% em doentes não-VIH em comparação com apenas 4% nos doentes com VIH, sublinhando a persistência de um prognóstico mais reservado neste grupo.

Uma vez identificado um doente em risco com suspeita clínica de PJP, o passo seguinte e determinante é a colheita de uma amostra biológica adequada para análise laboratorial.

3.0 Avaliação Crítica das Amostras Biológicas para Diagnóstico

A escolha da amostra biológica é um passo determinante no algoritmo de diagnóstico da PJP, influenciando diretamente a sensibilidade e a especificidade dos testes subsequentes. Esta decisão representa um balanço crítico entre o rendimento diagnóstico do método e a sua invasividade, um fator particularmente relevante em doentes com insuficiência respiratória grave.

A tabela seguinte compara as principais amostras respiratórias utilizadas, destacando os seus prós, contras e rendimento diagnóstico.

Amostra

Análise Crítica (Prós e Contras)

Rendimento Diagnóstico

Lavado Broncoalveolar (LBA/BAL)

Prós: Considerado o gold standard atual devido ao seu elevado rendimento.

Contras: Procedimento invasivo, caro, acarreta risco para doentes graves e pode não estar disponível em instituições com recursos limitados.

Elevado: Permite o diagnóstico em >80% de todos os doentes com PJP e em >95% dos doentes infetados com VIH.

Expetoração Induzida

Prós: Abordagem menos invasiva e mais rápida

Contras: Sensibilidade muito variável. Menor rendimento em doentes não-VIH, que geralmente apresentam uma carga fúngica mais baixa.

Variável: Sensibilidade de >50% a <90%, mas com uma especificidade muito elevada (99-100%).

Biópsia Pulmonar

Prós: Máxima sensibilidade e especificidade

Contras: O procedimento mais invasivo, reservado para casos complexos em que outros métodos não foram conclusivos.

Excelente: Sensibilidade e especificidade de 100%.

Após a colheita da amostra apropriada, o passo seguinte consiste na aplicação de métodos laboratoriais para a deteção direta do microrganismo, sendo a microscopia a abordagem histórica e ainda fundamental.

4.0 Métodos de Diagnóstico Microscópico

A microscopia desempenhou um papel histórico central no diagnóstico da PJP e, apesar do advento de técnicas moleculares mais sensíveis, continua a ser um método fundamental para a confirmação visual do agente etiológico. A sua principal vantagem reside na elevada especificidade, mas a sua utilidade é limitada pela sensibilidade, que depende da carga fúngica na amostra e da experiência do microscopista.

As diferentes técnicas de coloração podem ser agrupadas com base nos componentes do P. jirovecii que visualizam:

• Colorações Citoquímicas:

    ◦ Prata Metenamina de Gomori (GMS) e Azul de Toluidina O (TBO): Estas colorações são específicas para a parede celular dos cistos, corando-os seletivamente de castanho escuro (GMS) ou púrpura/azul (TBO). Não permitem a visualização dos trofozoítos.

    ◦ Giemsa e Diff-Quik: Ao contrário das anteriores, estas técnicas não coram a parede dos cistos. Em vez disso, coram os núcleos de todas as formas do ciclo de vida (cistos, trofozoítos e esporozoítos), sendo particularmente úteis para visualizar os trofozoítos, que são as formas mais abundantes na infeção.

• Imunofluorescência (DFA/IFA):

    ◦ Considerada mais sensível e específica do que os métodos citoquímicos, a imunofluorescência utiliza anticorpos monoclonais para detetar antigénios do P. jirovecii.

    ◦ A Imunofluorescência Direta (DFA) é a técnica mais utilizada, pois permite a identificação tanto das formas císticas como das formas tróficas. A Imunofluorescência Indireta (IFA), por sua vez, identifica apenas as formas císticas.

As limitações gerais da microscopia incluem a sua baixa sensibilidade, especialmente em doentes não-VIH que tendem a ter uma menor carga fúngica, e a necessidade de um observador experiente para diferenciar o microrganismo de artefactos de coloração e outros fungos.

Estas limitações de sensibilidade impulsionaram o desenvolvimento e a implementação de técnicas moleculares, que oferecem uma solução para aumentar a capacidade de deteção do P. jirovecii.

5.0 Métodos de Diagnóstico Molecular (PCR)

As técnicas moleculares, em particular a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), representaram uma revolução no diagnóstico da PJP. Devido à sua capacidade de detetar quantidades mínimas de ADN de P. jirovecii, a PCR oferece uma sensibilidade e especificidade muito elevadas, superando largamente a microscopia.

A principal vantagem da PCR reside no seu elevado valor preditivo negativo. Um resultado de PCR negativo numa amostra de qualidade, como o LBA, torna o diagnóstico de PJP extremamente improvável, sendo uma ferramenta excelente para excluir a doença de forma segura.

No entanto, esta elevada sensibilidade introduz o maior desafio associado à PCR no contexto da PJP: a diferenciação entre colonização assintomática e infeção ativa. Um resultado de PCR positivo, especialmente quando associado a uma microscopia negativa, cria uma ambiguidade diagnóstica significativa. Este cenário pode refletir tanto uma infeção paucicelular (com baixa carga fúngica) como a mera presença de ADN do microrganismo em estado de colonização.

Para resolver esta ambiguidade, a PCR quantitativa em tempo real (qPCR) emergiu como uma estratégia promissora. Ao quantificar a carga fúngica presente na amostra, a qPCR permite o estabelecimento de limiares (cut-offs) que podem ajudar a distinguir uma infeção ativa (associada a uma carga fúngica elevada) de uma colonização (carga fúngica baixa). Contudo, a padronização destes limiares ainda é um desafio, uma vez que podem variar entre diferentes populações de doentes (VIH vs. não-VIH) e requerem mais estudos de validação.

É importante notar que, até ao momento, a literatura indica uma falta de correlação entre os resultados da qPCR (a carga fúngica) e a gravidade clínica ou o desfecho da PJP, pelo que os resultados devem ser sempre interpretados no contexto clínico global do doente.

Para complementar as informações obtidas a partir de amostras respiratórias, os biomarcadores séricos oferecem uma abordagem não invasiva adicional.

6.0 Biomarcadores Séricos: O Papel do (1,3)-β-D-Glucano (BDG)

A medição do (1,3)-β-D-Glucano (BDG) no soro representa uma ferramenta de diagnóstico não invasiva importante na avaliação de doentes com suspeita de PJP. O BDG é um polissacarídeo presente na parede celular da maioria dos fungos, incluindo o P. jirovecii, e a sua deteção no sangue indica a presença de uma infeção fúngica.

A sua utilização no diagnóstico da PJP apresenta vantagens e limitações claras que devem ser consideradas na prática clínica.

• Vantagens do Teste de BDG:

    ◦ Procedimento Não Invasivo: Requer apenas uma amostra de sangue, o que é uma grande vantagem em comparação com a colheita de amostras respiratórias invasivas.

    ◦ Elevada Sensibilidade: O teste é bastante sensível para detetar a PJP, especialmente em doentes com doença ativa.

    ◦ Utilidade na Exclusão do Diagnóstico: Um resultado negativo de BDG tem um elevado valor preditivo negativo, sendo particularmente útil para excluir a PJP em doentes com VIH.

• Limitações do Teste de BDG:

    ◦ Baixa Especificidade: O BDG não é específico para o P. jirovecii. Pode estar elevado numa variedade de outras infeções fúngicas invasivas, como a candidíase e a aspergilose.

    ◦ Possibilidade de Falsos Positivos e Falsos Negativos: Os resultados podem ser influenciados por diversos fatores, levando a resultados incorretos.

    ◦ Ausência de um Valor de Corte Ótimo: Não existe um limiar de BDG definitivo e universalmente aceite que permita distinguir de forma fiável a colonização por P. jirovecii da doença ativa.

Fica claro que nenhum teste isolado é suficiente para um diagnóstico definitivo de PJP. A abordagem mais robusta e recomendada é a integração de vários métodos diagnósticos num algoritmo estruturado.

7.0 Estratégia Integrada e Algoritmo de Diagnóstico Laboratorial

Dadas as limitações inerentes a cada método de diagnóstico individual, a prática clínica moderna exige uma abordagem algorítmica integrada para a PJP. Esta estratégia combina dados clínicos e radiológicos com múltiplos testes laboratoriais para alcançar um diagnóstico preciso, permitindo uma diferenciação mais segura entre infeção ativa, colonização e outras patologias pulmonares.

O seguinte algoritmo representa uma sequência lógica de ações recomendadas perante uma suspeita de PJP:

1. Avaliação Inicial:

    ◦ A suspeita clínica é o ponto de partida e baseia-se na conjugação de três pilares:

        ▪ Sintomas: Presença de dispneia progressiva, tosse seca e febre.

        ▪ População de Risco: Doente com um fator de imunossupressão conhecido (VIH, neoplasia hematológica, transplante, corticoterapia crónica, etc.).

        ▪ Achados Radiológicos: Imagem torácica (radiografia ou TC) com infiltrados bilaterais difusos ("em vidro fosco").

2. Triagem Não Invasiva (Quando Aplicável):

    ◦ Considerar a medição do (1,3)-β-D-Glucano (BDG) sérico como um teste de triagem inicial.

    ◦ Interpretação: Um valor negativo tem um alto valor preditivo para excluir PJP, especialmente em doentes com VIH. Um valor positivo aumenta a suspeita clínica mas não confirma o diagnóstico, exigindo investigação adicional.

3. Seleção e Colheita de Amostra Respiratória:

    ◦ A estratégia de colheita deve ser adaptada à população de doentes:

        ▪ Doentes com VIH: A Expetoração Induzida é uma abordagem de primeira linha válida. Se o resultado for positivo (por microscopia ou PCR), o diagnóstico é confirmado. Se for negativo e a suspeita clínica permanecer elevada, deve-se proceder para LBA.

        ▪ Doentes não-VIH: Dada a menor carga fúngica típica e o consequente baixo rendimento da expetoração induzida (30-55%), a progressão direta para o Lavado Broncoalveolar (LBA) é frequentemente a estratégia mais eficiente e com maior rendimento diagnóstico, especialmente se a suspeita clínica for elevada.

4. Análise Laboratorial da Amostra:

    ◦ A amostra respiratória recolhida (preferencialmente LBA) deve ser analisada em paralelo utilizando:

        ▪ Microscopia: Preferencialmente por Imunofluorescência Direta (DFA), devido à sua maior sensibilidade.

        ▪ PCR Quantitativa (qPCR): Para detetar e quantificar o ADN de P. jirovecii.

5. Interpretação Integrada dos Resultados:

    ◦ A decisão final deve integrar todos os dados disponíveis, considerando os seguintes cenários:

        ▪ Cenário 1 (Infeção Confirmada): Resultado de DFA positivo e/ou qPCR com carga fúngica elevada (acima do limiar definido pelo laboratório).

        ▪ Cenário 2 (Infeção Excluída): Resultado de DFA negativo E resultado de qPCR negativo.

        ▪ Cenário 3 (Resultado Ambíguo - Infeção vs. Colonização): Resultado de DFA negativo MAS resultado de qPCR positivo com carga fúngica baixa ou intermédia. Neste caso, a interpretação é complexa e deve ser feita em forte correlação com o quadro clínico, os achados radiológicos e os níveis de BDG. A decisão de tratar baseia-se no julgamento clínico.

Em suma, o diagnóstico da PJP é um processo multifacetado que evoluiu para além da simples deteção do microrganismo. A combinação criteriosa de técnicas moleculares altamente sensíveis, como a qPCR, com biomarcadores séricos e uma avaliação clínica e radiológica rigorosa é essencial para otimizar o manejo dos doentes, garantindo um tratamento atempado para aqueles com infeção ativa e evitando terapias desnecessárias em casos de colonização

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