blog sobre micologia médica

Patologia Clínica CHUC Coimbra Portugal

Fusarium dimerum keratitis

Artigo publicado: Fusarium dimerum - um caso de queratite.
Artigo publicado: Rinosinusite induzida por Schizophyllum radiatum

Artigo publicado: Chronic invasive rhinosinusitis by Conidiobolus coronatus, an emerging microorganism

Artigo publicado: Antifungals: From Pharmacokinetics to Clinical Practice

sexta-feira, 13 de junho de 2025

BOTRYTIS sp

 A espécie aqui evidenciada foi isolada num placa com meio de Sabouraud colocada num quarto de uma habitação no âmbito de um protocolo formalizado entre o laboratório de micologia e serviço de pneumologia (consulta de Pneumologia/Patologia do Interstício).

Em seguida transcreve-se o texto elaborado pelos responsáveis do serviço de pneumologia ao qual o laboratório aderiu na medida das disponibilidades técnicas:

"Execução de estudos aerobiológicos domiciliários a fungos

No âmbito da nossa atividade clínica na consulta de Pneumologia/Patologia do Interstício, identificamos ocasionalmente doentes com suspeita clínica de Pneumonite de Hipersensibilidade a fungos, quer por relato de exposição valorizável a manchas/contaminação por bolores dentro da habitação, quer pelo contacto com matérias-primas contaminadas por bolor (p. ex. madeira/lenha) ou quando objetivamos elevação sérica de IgGs específicas a fungos filamentosos. 

Estes doentes desenvolvem uma sensibilização imune (por reação de hipersensibilidade tipo 3 e 4 de Gell e Coombs) a estes antigénios fúngicos, maioritariamente de tipo filamentoso. Sublinho que isto não representa infeção, não sendo comum obtermos isolamento de fungos mesmo em lavado broncoalveolar colhido broncoscopicamente em virtualmente todos eles.

A possibilidade de dispormos de estudo aerobiológico/colheita local adquire uma importância fundamental para o estabelecimento do nexo de causalidade expositivo. Este é um elemento frequentemente decisivo para o escrutínio e estabelecimento do diagnóstico, bem como para alavancar esforços de evicção antigénica (descontaminação/limpeza/medidas de redução do nível de humidade indoor) que terão impacto prognóstico para todos estes doentes. Aproveito para relembrar que a maioria destes doentes se apresenta já com formas fibróticas de Pneumonite de Hipersensibilidade, mostrando uma expectativa de sobrevivência mediana de 5-8 anos.

Secundariamente ao interesse clínico que acabo de explicitar, estes dados permitirão também conhecer a nossa epidemiologia local em termos de contaminação habitacional, com um transfer muito interessante em termos de saúde pública.

Este tipo de colheita será efetuado unicamente para casos de suspeita de Pneumonite de Hipersensibilidade a Fungos, envolvendo sempre que possível uma ida ao domicílio de um elemento da equipa médica. Envolverão o recurso a placas com meio de Sabouraud que gentilmente nos têm dispensado. Sempre que possível, as placas serão deixadas abertas durante um período de 12h nas divisões que se apresentem com maior contaminação visível com bolores. Ocasionalmente poderá ser feito também um pequeno esfregaço com zaragatoa.

Em termos epidemiológicos e clínicos, percebermos se temos Cladosporium sphaerospermum em vez de Cladosporium sp, ou um Penicillium chrysogenum em vez de Penicillium sp pode trazer-nos valor acrescentado. Não só em termos de caraterização epidemiológica (meritória a seu tempo de publicação e difusão científica) como pela capacidade de cruzarmos essa informação com o título de IgG sérica que podemos pedir para alguns dos fungos (Aurabasidium pullulans, Mucor racemosus, Stachybotris atra, Cladosporium cladosporioides, Penicillium notatum/chrysogenum, etc) e disponíveis em kit comercial da Phadia (por ELISA). A esse propósito, é possível garantirem-nos - além do género - também a identificação da espécie precisa dos fungos filamentosos identificados (mesmo que com maior atraso na resposta)?"


Botrytis é um gênero de fungos filamentosos que pertence à família Sclerotiniaceae. Embora mais conhecido por causar doenças em plantas (fitopatologia), algumas espécies de Botrytis têm relevância em micologia médica devido ao seu potencial patogênico em humanos.

Fungo Botrytis cinerea é essencial para a elaboração de vinhos de grande nomeada em diferentes partes do mundo (vinho botritizado), tanto que ficou conhecida como a podridão do bem, ou podridão nobre.

Os níveis de Botrytis na percentagem de todos os fungos têm uma mediana calculada de cerca de 1,1% nos diferentes ambientes, confirmando que se encontra entre os fungos menos prevalentes. Uma proporção substancial de doentes e trabalhadores é alérgica à Botrytis cinerea e, quando a B. cinerea foi incluída em painéis de teste alargados, foram encontrados mais doentes alérgicos. Assim, a B. cinerea é tão importante como os géneros de bolores mais prevalentes Cladosporium e Alternaria pelo que a sua inclusão  em painéis de testes alérgicos pode ser justificada.

Espécies Relevantes em Micologia Médica

  • Botrytis cinerea: A espécie mais comumente associada a infecções humanas.
  • Outras espécies (como Botrytis ellipticaBotrytis gladiolorum): Raramente relatadas como patógenos em humanos, mas podem causar infecções oportunistas.

Patogenicidade e Infecções em Humanos

  • Tipos de infecções:
    • Oftalmomicose: Infecções oculares, incluindo queratite, endoftalmite, e orbitite, especialmente em usuários de lentes de contato.
    • Sinusite Fúngica: Infecção dos seios paranasais, que pode ser invasiva em indivíduos imunocomprometidos.
    • Pneumonia e Outras Infecções Respiratórias: Raras, mas podem ocorrer em pacientes com doenças pulmonares subjacentes ou imunossupressão.
    • Infecções Cutâneas e Subcutâneas: Lesões localizadas, geralmente após trauma com contaminação do fungo.
  • Fatores de risco para infecção:
    • Imunocomprometimento (ex.: HIV/AIDS, quimioterapia, uso de corticosteroides)
    • Trauma Ocular ou Cutâneo
    • Uso de Lentes de Contato
    • Doenças Subjacentes (ex.: asma, doenças pulmonares obstrutivas)

Características culturais e microscópicas

  • Cultura:
    • Meios de cultura: Ágar Sabouraud com gentamicina e cloranfenicol.
    • Condições de Incubação: 25-30°C, por 7-14 dias.
  • Morfologia da colónia:
    • Tamanho e forma: Colónias de 3-6 cm de diâmetro, circulares, com bordos regulares.
    • Superfície: Cinzenta a esverdeada, com uma textura macia e felpuda.
    • Reverse: Frequentemente com pigmentação mais escura.
  • Características Microscópicas:
    • Hifas: Hialinas, septadas, ramificadas.
    • Conídios:
      • Forma: Ovoides a cilíndricos.
      • Tamanho: Geralmente menores que 15 μm.
      • Distribuição: Em conidióforos ramificados, formando uma estrutura semelhante a uma uva (donde  o nome Botrytis, do grego "βότρυς" ou botrys, significando " cacho de uvas").

Diagnóstico e tratamento

  • Diagnóstico:
    • Exame direto: Microscopia de luz após tratamento com KOH.
    • Cultura para fungos: Isolamento e identificação da espécie.
    • Técnicas moleculares: PCR e sequenciamento para confirmação.
  • Tratamento:
    • Antifúngicos: derivados azólicos (ex.: itraconazol, voriconazol), polienos (ex.: anfotericina B) e echinocandinas, dependendo da localização e gravidade da infecção.
    • Tratamento de suporte: Medidas para aliviar sintomas e prevenir complicações.

Prevenção

  • Uso apropriado de lentes de contato
  • Higiene ocular e cutânea
  • Evitar traumas

Conidióforo e blastoconideos








sexta-feira, 30 de maio de 2025

CUNNINGHAMELLA BERTHOLLETIAE

 Quinze anos se passaram desde que foi isolada no laboratório a última Cunninghamella bertholletiae.

Este isolado ocorreu numa amostra de secreções bronco-pulmonares de um doente de 76 anos com: bronquiectasias. expetoração hemoptoica, cansaço e perda de peso; a imagiologia revelou bronquiectasias, formações cavitadas e áreas de fibrose e retração do parenquima. Pesquisa de micobaterias foi negativa.

Diagnóstico Precoce: É crucial para melhorar o prognóstico. A suspeita clínica deve ser rapidamente confirmada por exames microbiológicos (cultura, PCR) e histopatológicos

Fisiopatologia:

Cunninghamella bertholletiae é um fungo zigomiceto, saprófito comum em solo e matéria orgânica em decomposição.

Modo de Transmissão: A infecção ocorre principalmente por inalação de esporos, podendo também ser adquirida através de feridas na pele.

Patogénese: Após a entrada no organismo, o fungo pode causar uma resposta inflamatória intensa, especialmente em indivíduos imunocomprometidos. A doença pode se manifestar de forma pulmonar, cutânea ou disseminada, dependendo da porta de entrada e do estado imunológico do hospedeiro.

Fatores de Virulência: A capacidade do fungo de sobreviver e se multiplicar dentro de células fagocíticas, como macrófagos, é um fator crucial para a sua patogenicidade. Além disso, a produção de enzimas e toxinas pode contribuir para a destruição tecidual.

Apresentação Clínica:

Infeção Pulmonar: Sintomas iniciais: Febre, tosse, dor torácica, dispneia. Possível evolução para pneumonia, com infiltrados pulmonares visíveis em exames de imagem.

Infeção Cutânea: Lesões cutâneas primárias após trauma com contaminação do fungo. Possível disseminação hematogénica para outros órgãos a partir da lesão cutânea.

Infeção Disseminada: Acometimento de múltiplos órgãos, incluindo sistema nervoso central, rins, fígado, e coração. Frequente em pacientes imunocomprometidos, com quadro clínico grave e rápido progressão.

Prognóstico:

Geralmente Desfavorável: Especialmente em casos de infecção disseminada ou em pacientes com comprometimento imunológico severo.

Taxa de Mortalidade: Alta, variando de 50% a 90% em diferentes estudos, dependendo da população estudada e do atraso no diagnóstico e tratamento.

Fatores que Influenciam o Prognóstico:

  • Estado imunológico do paciente.
  • Extensão da doença (localizada vs. disseminada).
  • Tempo até o início do tratamento adequado

Terapêutica:

  • AmB Liposomal
  • Posaconazol ou Isavuconazol: Podem ser considerados em casos de intolerância à AmB ou como tratamento de manutenção após a estabilização com AmB.
  • Suporte Clínico
  • Reabilitação Imunológica

Observação macroscópica da colónia:

As colónias têm um crescimento muito rápido, preenchem toda a placa de petri, inicialmente brancas, mas tornam-se cinzentas escuras e pulverulentas com o desenvolvimento dos esporângios. Esporangióforos com até 20 μm de largura, rectos, com ramos verticilados ou solitários. Vesículas subglobosas a piriformes, as terminais com até 40 µm e as laterais com 10-30 µm de diâmetro. Os esporângios são globosos (7-11 µm de diâmetro), ou elipsoidais (9-13 x 6-10 μm), verrucosos ou curto-echinulados, hialinos isoladamente mas acastanhados em massa.

A observação microscópica do micélio revela:

As hifas largas não septadas ou com raros septos. Os esporangióforos são erectos e formam ramos laterais curtos, cada um dos quais termina numa vesícula inchada. A vesícula tem projeções na sua superfície. Os esporangiolos são redondos a ovais, com um só esporo, e formam-se nestas projeções. Os esporangiósporos são unicelulares, solitários e de forma globosa a ovoide. As paredes dos esporos têm frequentemente cristais em forma de agulha.



Colónia com 6 dias de incubação.


Reverso da colónia


Hifas largas não septadas ou com raros septos

Esporangióforos ramificados

Esporangiósporos soltos

Vesiculas com esporangiolos maduros



quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

TINTELNOTIA DESTRUCTANS

 

O  Tintelnotia destructans é um fungo filamentoso classificado na classe dos Coelomycetes (fungos em que os conídios se formam dentro de uma cavidade revestida por tecido fúngico ou do hospedeiro.). Nesta espécie as estruturas de frutificação são esféricos com uma abertura apical (pycnidia).

Foi descrito pela primeira vez como agente patogénico de queratites em 2016. Está, também, descrito como agente de onicomicoses.

A queratite fúngica ocorre em 0.6 a 1,5 casos por milhão de habitantes por ano (50 a 66% dos pacientes são utilizadores de lentes de contacto). A queratite fúngica é uma doença grave que ameaça a visão

A microscopia confocal pode revelar a presença de hifas de fungos

Esta estirpe foi isolada, em Portugal, numa biópsia de córnea (ulcera da córnea paracentral) e identificada por sequenciação da região ITS. Havia, na mesma localização, um corpo estranho que foi removido.

A terapêutica padrão ainda não está estabelecida. A literatura descreve um perfil de suscetibilidade in vitro com uma MEC elevada contra as equinocandinas; e CIM elevadas para a flucitosina e o fluconazol, mas CIM baixas perante a anfotericina, terbinafina e os triazóis, as CIM comunicadas para a natamicina foram de 2mg/L e para o isavuconazol foram de 4mg/L. Com a combinação da terapêutica antifúngica oral e tópica, a acuidade visual  regressou ao valor inicial.

Tratamento inicial com voriconazol e mais tarde com terbinafina sistémica e tópica, duas semanas depois do inicio da terbinafina a ulcera estava menor, a sintomatologia diminuiu e a acuidade visual melhorou.. 

A observação microscópica do micélio revela a presença de picnídios em forma de frasco, inicialmente hialinos, tornando-se mais tarde castanhos escuros a pretos. Os picnídios contêm conídios hialinos unicelulares fazendo lembrar a microscopia típica dos fungos do género Phoma.


Colónia em Sabouraud GC com 7 dias de incubação a 30 graus.





Reverso da colónia.







Conideomata.




Picnídios contendo conídios hialinos, em fase de libertação através do ostíolo.